Umidade no solo é uma das menores dos últimos 40 anos
Estudo mostra que nos últimos dois anos, o estresse hídrico, especialmente para plantas, é um dos mais intensos desde 1980
16/01/2022 16:50 por Folha do Noroeste
Atual estiagem é intensificada em razão da baixa quantidade de chuvas e altas temperaturas, causando prejuízos na agricultura (Foto: Adriano Dal Chiavon)
A estiagem que atinge, mais uma vez, o Estado do Rio Grande do Sul e a região, já causa milhões de reais em prejuízos para a agricultura gaúcha e regional. Além disso, a falta de água causa problemas no abastecimento para o consumo humano e animal. Milhares de viagens de caminhões pipas nos municípios estão sendo realizadas por equipes das prefeituras ou terceirizadas, para tentar amenizar os problemas.
Essa situação de períodos secos tem deixado de ser algo esporádico e começa a se tornar cada vez mais comum. Esta percepção pode ser sentida por muitas pessoas, especialmente, quem trabalha com a agricultura. E, não somente eles, os próprios dados históricos têm mostrado que períodos de estresse hídrico estão sendo muito mais comuns do que eram, na nossa região.
A partir dessa percepção, a reportagem do FN solicitou ao pesquisador de clima e recursos hídricos e morador de Tenente Portela, Marcos Roberto Benso, que buscasse os dados históricos sobre a presença de umidade no solo dos municípios da região, para saber se, de fato, a falta de água está se tornando mais rotineira ou não. E as informações encontradas acabam corroborando com a percepção da realidade.
– Está havendo sim um aumento da frequência de condições mais baixas de umidade na nossa região. Conforme os dados buscados, percebe-se um aumento de frequência de volumes mínimos de precipitação. É difícil, todavia, descrever estatisticamente como e com qual magnitude os padrões de chuva da região estão mudando, mas, visualmente, é uma conclusão plausível que podemos chegar, porque a camada mais profunda do solo acaba demonstrando uma interação entre solo, planta e clima mais intrínseca, e os dados mostram que há um estresse hídrico para as plantas maior nos últimos anos – relata o pesquisador, com base no gráfico que mostra o volume de água no solo em uma camada entre 100 a 289 cm de profundidade na região noroeste do RS.
Os dados compilados desde 1981 até outubro do ano passado, apresentam que a partir dos anos 2000, tem sido registrada uma periodicidade maior de picos de baixa umidade no solo, comparado a décadas passadas. As informações foram buscadas, conforme Benso, em bancos de dados do Centro de Previsão Meteorológica a Médio Prazo (ERA5) e em dados da CHIRPS, da Universidade da Califórnia Santa Bárbara, duas das fontes mais confiáveis e utilizadas para analisar a umidade em solo, precipitação e temperatura no mundo.
União entre chuva mais esparsa e temperaturas mais altas
Ao analisar o gráfico citado anteriormente (que pode ser conferido nesta página), percebe-se que o ano de 2020 atingiu o pico de menor presença de umidade do solo das últimas quatro décadas. Logo após, o segundo pico de mais estresse hídrico na série histórica, é justamente o ano de 2021.
No entanto, outro dado trazido pelo pesquisador aponta que, no ano passado, o volume de chuva na região noroeste do RS não foi tão abaixo do que é a média para o período (conforme pode ser verificado no gráfico de Índice de Precipitação Padronizada de Dezembro de 2021). Por outro lado, nos últimos meses, a anomalia de temperatura apresenta tendência de alta. Essa combinação de chuvas abaixo da média, junto com temperaturas acima da média, faz com que a falta de umidade no solo seja tão baixa neste período de estiagem.
– Essas condições de umidade são sensíveis a vários fatores e a elevação de temperatura é um fator muito relevante. Combinado com a baixa de chuva, faz com que o estresse hídrico seja tão crítico. Esse combo de fatores se reflete em uma falta de umidade no solo e é justamente esse combo (de precipitações abaixo e temperaturas acima da média) que explica a atual seca que temos – analisa o pesquisador.
Verão deverá seguir com esta tendência
Para os próximos meses, os prognósticos de alguns institutos mostram que a realidade não deverá sofrer muitas alterações. “O problema maior é que o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) aponta que o verão todo seja de chuva levemente abaixo da média, mas temperaturas mais elevadas, situação que pode figurar até o mês de março. Esse prognóstico, aliado ao histórico de dados, mostra que os próximos meses continuarão em um cenário de como estamos agora”, projeta Benso.
Nesse cenário, fica cada vez mais evidenciado a necessidade de uma mudança de planejamento das pessoas em relação ao recurso hídrico. “Acredito que tem duas dicas, digamos assim, para as pessoas. Uma medida individual e as medidas coletivas. Individualmente, uma boa opção é a implantação de cisternas nas residências ou propriedades, para captar a água da chuva. Isso é muito importante, pois desta forma, você consegue ter mais resiliência frente a períodos mais prolongados de falta de chuva. Essa água pode ser usada para lavar calçadas, regar jardins. Vejo que em 2022 devemos fomentar o aproveitamento de água da chuva para fins não potáveis em nossa região, deixando a água tratada para fins potáveis como higiene, preparo de alimentos e consumo doméstico. Fora isso, todo o restante do uso de água pode ser de uma fonte não potável, como a água armazenada em cisternas. Já quanto as medidas coletivas, na região, vemos perfuração de poços e usos de fontes drenadas como alternativas, sobretudo na zona rural. Cabe ao poder público analisar mais tecnicamente essa questão. É importante que as melhores alternativas sejam estudadas tecnicamente, não se adotar a que seja a mais interessante ou a melhor, sem haver um estudo mais aprofundando que corrobore isso”, aponta.
Causas dos períodos de estiagem
Em relação aos eventuais motivos que estejam ocasionando uma periodicidade maior entre períodos de estresse hídrico, Benso – que atualmente faz seu doutorado em Engenharia Hidráulica e Saneamento, na Escola de Engenharia da USP de São Carlos – destaca que ainda é difícil apontar os fatores causadores desses fenômenos.
– Existe a variabilidade climática e a mudança climática. A variabilidade climática é aleatória e está presente em todas as regiões do planeta, já a mudança climática demonstra um padrão específico, progressivo e constante. Se há uma progressão e essa progressão é contínua, você tem evidências de uma mudança climática. Nos dados, existem evidências que sugerem que há uma mudança progressiva de aumento de temperatura acontecendo. Mas, não podemos fazer uma afirmação nesse sentido. O que podemos dizer é que é apenas uma sugestão. Então, há sim um efeito visível de aumento de temperatura, mas, mais pesquisas são necessárias para haver uma confirmação dessa realidade ou não. Esse cuidado é necessário, porque é complicado fazer avaliações de mudanças climáticas em determinadas regiões. Desta maneira, isso precisa ser visto com muita parcimônia, porque podem ser várias questões que podem estar afetando a realidade. Por isso da importância da ciência, da universidade, de pesquisadores e alunos da região estarem estudando essas informações importantes para a região”, conclui Benso.
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